O QUE ESTÁ POR TRÁS DE MINHA PRONTIDÃO PARA OBEDECER?


Por que o ser humano é tão propenso a obedecer e por que é tão difícil para ele desobedecer? 

Enquanto eu for obediente ao poder do Estado, da Igreja, or da opinião pública, sinto-me seguro e protegido. Na verdade, pouco importa que poder é esse a que eu sou obediente. Sempre é uma instituição, ou são outros seres humanos, que usa a força de uma maneira ou de outra e que falsamente alega ter pleno conhecimento e capacidade de ação. 

Minha obediência torna-me parte daquele poder que eu venero e, portanto, sinto-me forte. Não há como eu errar, já que tal poder decide por mim; não tenho como sentir-me desamparado, já que ele zela por mim; não há como eu pecar, porque ele não permite que eu peque. E, mesmo que eu peque, a punição resume-se a retornar para o poder supremo.

Para desobedecer, uma pessoa precisa ter a coragem de se ver só, de errar e de pecar. Mas coragem não basta. A capacidade de ser corajoso depende do estado de desenvolvimento daquela pessoa. Somente se ela já desprendeu-se do colo da mãe e das ordens do pai, somente se ela já tem a estatura de um indivíduo plenamente desenvolvido sendo, portanto, dona da capacidade de pensar e sentir por si, somente então pode tal pessoa ter a coragem para dizer "não" ao poder; somente então pode desobedecer.

Uma pessoa pode tornar-se livre por meio de atos de desobediência, aprendendo a dizer "não" ao poder. Mas não apenas consideramos a capacidade de desobedecer como condição para a liberdade. A liberdade também é condição para a desobediência. Se tenho medo da liberdade, não me atreverei a dizer "não", não terei a coragem para ser desobediente. Na verdade, a liberdade e a capacidade de desobedecer são inseparáveis. Portanto, todo e qualquer sistema social, político e religioso que proclame a liberdade, mas que não admita a desobediência não pode ser considerado verdadeiro.

Tradução de Mariangela Pedro de trecho de Erich Fromm, On Desobedience and other Essays, 2nd ed, Redwood, 1984, p. 6 [essay: Disobedience as a psychological and moral problem, originally published in 1963] O original em inglês está neste link:

What is behind my 'virtue' of obedience that I do not see?


versão em português

Why is man so prone to obey and why is it so difficult for him to disobey? 

As long as I am obedient to the power of the State, the Church, or public opinion, I feel safe and protected. In fact it makes little difference what power it is that I am obedient to. It is always an institution, or men, who use force in one form or another and who fraudulently claim omniscience and omnipotence. 


My obedience makes me part of the power I worship, and hence I feel strong. I can make no error, since it decides for me; I cannot be alone, because it watches over me; I cannot commit a sin, because it does not let me do so, and even if I do sin, the punishment is only the way of returning to the almighty power.

In order to disobey, one must have the courage to be alone, to err and to sin. But courage is not enough.The capacity for courage depends on a person's state of development. Only if a person has emerged from mother's lap and father's commands, only if he has emerged as a fully developed individual and thus has acquired the capacity to think and feel for himself, only then can he have the courage to say "no" to power, to disobey.

A person can become free through acts of disobedience by learning to say no to power. But not only is the capacity for disobedience the condition for freedom; freedom is also the condition for disobedience. If I am afraid of freedom, I cannot dare to say "no," I cannot have the courage to be disobedient. Indeed, freedom and the capacity for disobedience are inseparable; hence any social, political, and religious system which proclaims freedom, yet stamps out disobedience, cannot speak the truth.

Erich Fromm, On Desobedience and other Essays, 2nd ed, Redwood, 1984, p. 6 [essay: Disobedience as a psychological and moral problem, originally published in 1963]